O que são afinal Nutracêuticos?

O termo Nutracêutico é usado para descrever uma qualquer combinação de fontes alimentares que para além dos aspectos puramente nutricionais, possa trazer um qualquer benefício adicional para a saúde de quem os ingere. O conceito encaixa numa percepção global de saúde, já que os benefícios associados ao consumo destes produtos podem ser apreciados tanto numa perspectiva de saúde humana, como de saúde animal.

E é de todo o interesse que tenhamos animais saudáveis. Por um lado só, animais saudáveis podem dar origem a alimentos de qualidade (carne, leite e ovos)… Além disso, s animais em perfeito estado de saúde conseguem maximizar a produção, exibir o seu potencial produtivo, assente numa apurada selecção genética.

Dito por outras palavras – Os proprietários das explorações pecuárias terão certamente maiores lucros se mantiverem efectivos saudáveis. Nesta perspectiva, qualquer bom produtor pugnar para que os seus animais sejam criados com o máximo bem-estar excelente sanidade.

Ao pensarmos em Nutracêuticos, estamos a contribuir para tomar o caminho certo e a confirmar este conceito. Para além de:

  • Procura de boas condições de produção;
  • Proporcionar condições de bem-estar;
  • Promover a saúde animal;

Queremos também os produtos que administramos aos nossos animais ofereçam condições e tenham potencial para melhorar esse estado de saúde.

O passado e o presente

Para além da manutenção de boas condições gerais de higiene e maneio, o peso da alimentação é enorme para atingir os tais objectivos de bem-estar.

Começa por valer 75% ou mais dos custos globais de produção. O rigor na sua qualidade e a perfeita adaptação ás necessidades nutricionais dos animais é também de extrema importância. A interface digestiva é a razão de ser da produção pecuária. E através da ingestão do alimento, posteriormente digerido, absorvido e metabolizado que os nossos animais produzem a tal carne, leite o ovos que nós humanos consumimos.

É fácil entender a importância da dita interface digestiva. Partindo do princípio que sob o ponto de vista nutricional, e de acordo com a fórmula, o alimento cobrir todas as necessidades do animal, seja elas de manutenção ou de produção, mesmo assim pode não ser o suficiente. Falta ser digerido e absorvido. A tal interface a trabalhar…

Mas esta interface também é uma barreira de defesa. Está exposta a contaminações externas, defendendo o animal do ataque de potenciais agentes externos vindos do exterior.

Durante muitos anos foi posta em prática uma solução eficaz e relativamente barata: o uso de antibióticos em doses sub-terapêuticas. Pela sua acção e eficácia, estes produtos genericamente designados por “promotores de crescimento”, ou numa adaptação do Inglês AGP’s que corresponde as iniciais de Antibiotic Growth Promoter.

Num pequeno “à parte”, diria que o termo promotor de crescimento não seria porventura o mais correcto. Talvez “promotor de produção” ou “optimizador de produção” teriam um significado mais abrangente.

Os AGP’s incorporados no alimento controlavam a população bacteriana existente no intestine de animal, o que secundariamente traria um rol de vantagens. Realço a protecção do intestino face a organismos patogénicos, que deste modo poderia exercer as suas funções de modo mais eficaz. A outra face da moeda foi o desenvolvimento de resistências a esses fármacos antimicrobianos por parte das “bactérias más” existente no intestino, bem como a possibilidade de transferência de genes de resistência a bactérias responsáveis por infecções em Humanos.

Este risco levou as autoridades europeias a proibir o uso destes AGP’s, proibição essa que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2006.

De imediato a falta destes produtos fez-se sentir. Numa primeira fase assistiu-se ao agravamento das performances produtivas e do surgimento de algumas doenças de evolução clínica ou subclínica, como foi o caso da Disbacteriose ou da Enterite Necrótica em frangos de carne.

Em resumo:

Para cumprir os mesmos objectivos – alternativas precisam-se.

Todos temos tendência para “assobiar para o lado” e fingir que no é nada connosco e não tomar atenção a coisas que nos entram pelos olhos dentro. Confesso que em tempos já tive essa atitude. Para qual preocupar-me quando sabia que uma qualquer Bacitracina, Tilosina, Avilamicina ou outra “cina” qualquer me resolvia o problema de modo eficaz e relativamente acessível?

Ao mesmo tempo perguntava-me (e pergunto-me): Será que as resistências bacterianas são de facto causadas pela utilização deste tipo de produtos?

Não será antes a utilização indevida dos antibióticos feita por nós, Humanos:

  • Tomá-los de modo empírico e sem indicação;
  • Automedicação;
  • Uso de fármacos pouco adaptados à infecção em causa;
  • Paragem do tratamento ao primeiro alívio dos sintomas…

Se em Veterinária a administração dos antibióticos deve ser exclusivamente feita em função da prescrição de um Médico Veterinário, também na Medicina Humana só devemos fazê-lo por prescrição de um Médico. Não se deveria tomar o antibiótico A, B ou C apenas porque fez bem ao vizinho, que em determinada ocasião aparentava ter um quadro clínico parecido com o nosso.

Estou plenamente convicto que os erros dos Humanos têm um peso superior, isto é, uma maior responsabilidade em toda esta problemática das resistências aos antibióticos, em comparação com os animais, ou mais concretamente com os alimentos de origem animal.

Mas na realidade já deixei de “assobiar para o lado”. Por pequena ou grande que possa ser a responsabilidade dos animais, é necessário pensar nas tais alternativas.

Para já existe uma grande incerteza no meu espírito, por algo que ainda não consegui esclarecer por completo: todos os produtos antimicrobianos classificados comam antibióticos no sentido clássico do termo, são tidos como “maus”. Existe toda uma “retórica”, obviamente suportada pela ciência, e com a qual eu concordo em muitos pontos, que “arruma” essas moléculas como potencialmente causadoras de problemas.

Mas se uma qualquer substância com efeito antimicrobiano for originaria de uma planta ou de um seu extrato, por outras palavras, se estiver envolvida por uma qualquer aura “verde ou ecológica”, passa a ser algo de muito bom, isento de qualquer efeito secundário indesejado.

Como? Pergunto eu…. Será que é mesmo assim? Porquê?

Os denominados antibióticos clássicos são produtos testadíssimos. Fazendo bem ou não, com ou sem efeitos secundários, o produto é mais do que conhecido e testado, sabendo-se com todo o rigor como actua, quais as doses recomendadas, toxicidade, reacções adversas, etc. Por cada produto lançado no mercado, as empresas farmacêuticas gastam milhões em ensaios de eficácia, estabilidade, toxicidade, e outros, até passar à fase de comercialização. Não ponho em causa que o mesmo possa também ser feito com os Fitobióticos, por exemplo, mas tudo leva a crer que no ponto principal da questão, um antimicrobiano de origem vegetal também pode selecionar estirpes bacterianas resistentes. E mais depressa apresentar essas resistências se for usado de modo incorrecto.

Mais importante que a origem ou classificação que é dada a um qualquer produto, penso que mais importante é a sua correcta administração.

Probióticos e Prebióticos

E voltando aos Nutracêuticos…

Em termos gerais, e aqui me repito, são produtos veiculados pelo alimento, que trazem benefícios para a saúde de quem os ingere.

Nesse rol de produtos temos os Probióticos.

De acordo com a definição da OMS, os Probióticos são (numa tradução livre) “microorganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, trazem benefícios para a saúde da pessoa ou animal que os receba

São bactérias ou leveduras que actuam no tubo digestivo, através de mecanismos de ação variados, frequentemente em associação:

  • Exclusão competitiva (face a outros microorganismos potencialmente nocivos);
  • Inactivação de toxinas;
  • Redução da concentração de Oxigénio;
  • Promoção do efeito de barreira do muco intestinal;
  • Regulação do desenvolvimento e permeabilidade do epitélio intestinal;
  • Síntese de bacteriocinas;
  • Actividade enzimática com melhoria da digestão e absorção de nutrientes;
  • Efeitos imunomodeladores.

Portanto verificamos que os Probióticos são “microorganismos bons” que ajudam a reorganizar e ampliar a população microbiana existente no intestino dos nossos animais.

Mas não ficamos por aqui. Se o número total de bactérias e outros microorganismos de localização intestinal for muito elevado, em última instância podemos considerar que eles competem com o seu hospedeiro no acesso e consumo das fontes nutricionais. Por outras palavras diria que os nutrientes consumidos pela flora microbiana deixam de estar de estar disponíveis para o animal que os alberga.

Mas para isso existem os Prebióticos. Gibson e Riberfroid definiram-nos como “ingredientes alimentares não digeríveis que estimulam de forma positiva o hospedeiro, estimulando selectivamente o crescimento e/ou actividade de um número limitado de bactérias no intestino“.

Assim sendo, os Probióticos são bactérias boas e os Prebióticos o seu alimento. Mas estes últimos têm de cumprir três critérios básicos:

  1. Não devem ser hidrolisados ou absorvidos no estômago ou intestino;
  2. Devem ser fonte selectiva de alimento para as “bactérias boas”;
  3. A sua fermentação deve induzir efeitos locais e sistémicos que sejam benéficos para o hospedeiro.

No que diz respeito aos Probióticos, os géneros de microorganismos aceites e registados na UE são:

  • Bacterias: Clostridium, Bifidobacterium, Lactobacillus e Enterococcus
  • Leveduras: Saccharomyces.

Em relação aos Prebióticos, são hoje utilizados carbohidratos ou oligossacarideos com diferentes estruturas moleculares. Refiro particularmente os oligossacarideos não digestiveis coma os frutoligossacarideos (FOS, oligofrutose e inulina), galactoligossacarideos (GOS), transgalactoligossacariodeos (TOS) e a lactulose.

Ainda referido como Prebióticos, mas com uma acção intestinal que foge à definição mais comummente aceite, temos os mananoligossacarideos (MOS). No actuam selectivamente como promotor das “bactérias boas” do intestino, mas ligam-se com grande especificidade a bactérias patogénicas Gram negativas como a E. coli ou Salmonella, não as deixando interagir com as células da mucosa intestinal, ao mesmo tempo que são seus transportadores ao longo do intestino até à expulsão pelas fezes.

Se pensarmos num “dois em um”, isto é, um produto que tenha na sua composição Pre e Probióticos com todas as vantagens de um efeito sinérgico, estamos perante um Simbiótico, também de acordo com a definição de Gibson e Roberfroid em 1995.

Ácidos Orgânicos (AO)

Os ácidos orgânicos como o láctico, acético, fumárico, propiónico caprílico, benzoico, e outros, exercem efeitos positivos na saúde intestinal, e consequentemente na performance produtiva dos nossos animais.

Inúmeros trabalhos científicos têm demonstrado que a suplementação com ácidos orgânicos (AOs) aumenta a população microbiana das chamadas “bactérias boas” em detrimento das Enterobactérias como a E. coli e Salmonella no intestino.

Em termos de performances, a administração destes AOs resulta em melhores taxas de crescimento e produção, assim como efeitos positivos no índice de conversão. Os AOs na forma indissociada difundem-se através das membranas celulares para o citoplasma das células bacterianas que habitam o intestino. No meio intracelular, e já na forma dissociada, o ácido vai anular o sistema enzimático e de transporte de nutrientes da célula.

A constante de dissociação do ácido (pKa) que corresponde ao valor de pH que o referido ácido apresenta 50% de dissociação, é uma importante característica de cada tipo de ácido. No geral, ácidos orgânicos com valores de pKa mais altos são mais eficazes como antimicrobianos. Sabendo que as paredes celulares das células bacterianas contém material lipídico, as ligações hidrofóbicas dos AOs são importantes, pois mais facilmente interagem com esse material lipídico, inibindo a actividade celular.

Para além do efeito antimicrobiano, a administração de AOs também parece favorecer a morfologia do intestino, nomeadamente no caso das aves. Verifica-se um aumento das dimensões das vilosidades intestinais, com consequente melhoria do potencial de absorção de nutrientes.

Como seria de esperar, a descida de pH do conteúdo intestinal também é uma das consequências da administração dos AOs. O pH inferior permite, por exemplo, uma mais completa digestão e absorção das proteínas.

A administração de AOs nos nossos animais deve ser feita de forma contida. Isto é, são produtos com doses baixas de utilização. O excesso pode ter efeitos contrários aos pretendidos, já que uma quantidade elevada de AOs deprime as vilosidades e criptas intestinais, com efeito directo na absorção de nutrientes.

Os AOs existem no mercado na forma simples ou em associação de vários ácidos. A sua combinação traz vantagens. Ácidos diferentes podem ter mecanismos de acção específicos, ao mesmo tempo que se difundem no intestino e nas células bacterianas com diferentes níveis. Na prática há um aumento de eficácia.

Enzimas

São várias as enzimas que hoje se utilizam como “facilitadores” do processo digestivo.

As colossais velocidades de crescimento dos nossos animais exigem que se tire o máximo partido dos nutrientes que integram a ração. Nesse ~âmbito, as possibilidades são variadas, mas passam em regra por duas situações:

  1. Uma ajuda externa aos sistemas enzimáticos endógenos que não têm capacidade para digerir as grandes quantidades de alimento ingerido;
  2. Permitir que nutrientes presentes em algumas matérias-primas que integram os alimentos compostos possam ser digeridos, apesar dos nossos animais não possuírem enzimas endógenas que permitam a sua digestão.

Nunca nos podemos esquecer que as enzimas actuam sempre, e de modo selectivo, num determinado substrato bem definido. Logo, há que ser criterioso com o “pool” enzimático exógeno que é administrado, pois não só deve estar perfeitamente adaptado ao animal em questão, como também tem de ir ao encontro dos constituintes da ração. Só assim é que vale a pena.

Quando esta adaptação é correcta, verificamos que as beta-glucanases, xilanases, amilases, proteases, lípases, fitases, etc., melhoram as características do alimento e consequentemente os rendimentos produtivos, ao mesmo tempo que na maioria dos casos permitem embaratecer o seu custo final.

Fitobióticos

Como o nome indica, fitobióticos são produtos derivados de plantas, administrados aos nossos animais de produção e que se enquadram no conceito de Nutracêuticos.

Como tal, representam um conjunto alargado de produtos com propriedades farmacêuticas, extraídos de vegetais, na maioria das vezes com origem em ervas e especiarias. Pela sua grande variedade e diferenciação em termos de pureza, origem biológica, estrutura química e formulação, é extremamente difícil fazer uma classificação e sistematização, seja dos produtos em si, seja das suas propriedades.

Yang et al. (2009) propuseram uma classificação dos fitobióticos em quatro categorias: herbáceos, botânicos, óleos essenciais e oleorresinas.

Estes fitobióticos na generalidade apresentam a actividade antimicrobiana e estimulação do sistema imunitário como características principais dos seus efeitos no intestino dos animais. Apesar das incertezas que ainda existem pela grande variedade e variabilidade de produtos, muitos estudos caracterizam a acção dos fitobióticos como semelhante à dos AGP’s, no que diz respeito à estimulação do crescimento.

Foi proposto que a nível intestinal essa ação poderia basear-se em:

  1. Interferência na construção e manutenção das membranas celulares dos microorganismos, levando a sua ruptura;
  2. Alteração da virulência dos microorganismos por contacto na membrana celular;
  3. Estimulação do crescimento e multiplicação de bactérias favoráveis, nomeadamente Lactobacillus e Bifidobacterium;
  4. Estímulo imunitário;
  5. Estímulo à produção de enzimas digestivas;
  6. Proteção da mucosa intestinal ao ataque dos microorganismos patogénicos;
  7. Aumento da palatibilidade do alimento – maior consumo.

Existe ainda alguma controvérsia sobre os reais benefícios da utilização dos fitobióticos, sobretudo no que diz respeito a uma favorável relação custo – eficácia. No entanto, todos os dias vão surgindo avanços sobre esta área e certamente que num futuro próximo muitas destas dúvidas se dissiparão.

Nutracêuticos – sim ou não?

Definitivamente…  Sim

O potencial dos Nutracêuticos na melhoria da saúde intestinal dos nossos animais é já hoje uma certeza. São ferramentas novas que temos de dominar cada vez mais e melhor, para que possamos ir continuando a melhorar os nossos objectivos de produção.

Como é evidente, todos estes produtos podem e devem ser usados em associação. E já estamos a ter sucesso com o seu uso. Juntando enzimas, pré e probióticos, fitobióticos, enzimas, etc., a um alimento de qualidade, temos hoje performances produtivas dos nossos animais que não deixam saudades do ano de 2005, quando o uso dos AGP’s ainda era autorizado.

José João Rainho de Sousa Nunes

Médico Veterinário

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